Porfiria: Lobisomens e Vampiros
por Wanderléa Silva de Souza
No final da Idade Média começou a se espalhar pela Europa a lenda dos lobisomens, ou seja, homens que se transformavam em lobos nas noites de lua cheia. Para o belga Jean Goens não passava mesmo de lenda, pois ele percebeu uma relação entre estes seres “monstruosos” com uma doença chamada Porfiria: a maioria das descrições coincidiam com os sintomas desta doença, ou seja, o dito “lobisomem” vivia como um bicho, isolado, de comportamento agressivo, com a pele coberta de feridas e deformações, além de possuir crises de licantropia, na qual a pessoa age de forma muito semelhante a um lobo (anda sobre os pés e as mãos, come carne crua e chega até a atacar outras pessoas com unhas e dentes).
Porfiria é um nome coletivo para sete doenças que foram identificadas durante o século XIX, mas, por serem tão raras, apenas ganharam definições mais precisas no século XX. O nome porfiria vem do grego porphiros, que significa vermelho-arroxeado, referindo-se a uma substância proeminente no sangue e na urina da pessoa infectada. O cientista e médico dermatologista belga Jean Goens elaborou sua tese na seguinte frase: “Fatos reais foram aumentados e deformados pela imaginação popular até se transformarem em lendas sinistras.” Ele comprovou que os seres monstruosos descritos no primeiro parágrafo, na verdade, sofriam da Porfiria, que é um desarranjo na síntese dos corantes vermelhos do sangue que provocam distúrbios mentais em que as pessoas passam a agir como animais e a ter comportamentos suspeitos. De acordo com outro pesquisador da doença, o professor da Escola Paulista de medicina de São Paulo, o Dr. Kerbaury (que durante 30 anos de medicina viu somente 6 casos da doença), a Porfiria é um distúrbio na síntese do heme, um dos componentes da hemoglobina, responsável pela cor vermelha do sangue, sendo que o heme é formado por uma reação encadeada, onde há a participação de várias enzimas e, quando essa reação é interrompida, aumentando ou diminuindo a produção de uma das enzimas do nosso organismo, surge então a doença. Em outras palavras, as Porfirias são desordens metabólicas causadas por uma deficiência enzimática que inibe a síntese da heme, cujas formas mais graves são caracterizadas por uma extrema sensibilidade à luz. Esta sensibilidade à luz levou a doença dos lobisomens para os vampiros.
Em 1964, L. Illis publicou o artigo “On Porphyria and the Aetiology of Werewolves“, que sugeriu que a Porfiria poderia ser responsabilizada pelos relatos de lobisomens, seguindo as conclusões de Goens. Em 1985, o pesquisador David Dolphin sugeriu que a Porfiria poderia estar relacionada também aos casos devampirismo, pois as pessoas dos séculos anteriores com esta doença poderiam beber o sangue de outras pessoas para aliviar os seus sintomas. Outro pesquisador, Paul Barber, criticou estas teses, assinalando que não havia evidência de que beber sangue teria qualquer efeito sobre os sintomas da doença e que os comentários de Dolphin não estavam devidamente comprovados. As teses de Dolphin, e suas discussões na mídia, aumentaram ainda mais os problemas das vítimas da Porfiria, que começaram a ser chamados, preconceituosamente, de lobisomens e, principalmente, de vampiros, o que dificultou ainda mais suas vidas.
As características básicas da Porfiria são: é uma doença hereditária; oriunda geralmente de casamentos consanguíneos; provoca palidez extrema, deixando os lábios muito vermelhos, a pele sensível ao sol, além do aumento da produção de pelos e da saliva e urina apresentarem-se vermelhas; os dentes ficam deformados e o doente apresenta mau hálito; seus lábios ficam contraídos com os caninos expostos permanentemente; o doente também apresenta distúrbios nervosos e comportamento maníaco, tendo crises oriundas da ingestão de alho, bebidas alcoólicas, analgésicos etc. Um dos tipos mais importantes é a PORPHYRIA CUTÂNEA TARDA, que é a mais relacionada às histórias dos vampiros – tanto pode ser genética como pode ser resultado de uma cirrose hepática.
O tratamento mais comum para a Porfiria é o controle por parte de médicos especializados dos sintomas, principalmente os nervosos, proibindo o consumo das substâncias que desencadeiam as crises. Outro tipo de tratamento, não mais utilizado, era a sangria, ou seja, a retirada de sangue do paciente em quantidades controladas. A sangria era realizada com muita frequência nos povos antigos, como por exemplo nas famílias nobres dos Balcãs que compensavam esta retirada de sangue matando seus animais e chupando o sangue dos mesmos. Isto acontecia também nas tribos africanas.
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